07 agosto 2007

Os imperativos do desejo



Cefas Carvalho

Ele não tinha a menor idéia porque ela o atraíra tanto. Deveria ter uns trinta e poucos anos, talvez dez anos a mais que seus vinte e cinco. Além disso diferia bastante do seu ideal de mulher. Ela era baixinha, bem feita de formas, mas todas parcialmente escondidas pelo vestido preto algo florido, como de uma carola (católica ou evangélica?)...

Não obstante, possuía olhos imensos que insistam em fitá-lo (ele não resistia a mulheres que sustentavam o olhar, como em desafio) e uma espécie de charme que o vestido e as maneiras recatadas não conseguiam – talvez não pudessem – esconder.

Ela, por sua vez, se benzia na imaginação por estar correspondendo aos olhares sem vergonha daquele rapaz que tinha idade para ser... não são filho, evidentemente, mas um sobrinho. Não teria ele percebido que ela era uma mulher séria, e mais, que isso, casada! Não teria ele visto a aliança em seu dedo, brilhando tal um sinal de proibição, de impedimento?! E ainda assim a olhava fixamente. Não, os jovens de hoje realmente não prestavam, pensava. Mas, em vez de olhar para a esquerda, de onde viria o ônibus que a levaria para casa, insistia em olhar para a direita, lado oposto onde ele se encontrava.

E ele sorria. Para ele, um sorriso inocente, resultado de sua percepção que estava estranhamente atraído por aquela mulher. Para ela, um sorriso debochado, quase obsceno, de quem conscientemente quer perverter alguém.

Subitamente ela percebeu que ele se aproximava dela... Tremeu, como esconder isso? Que diabos ele viria falar com ela? E se ele falasse algo grosseiro? Teria como se defender, naquela parada de ônibus algo escura no sempre esquisito centro de Natal? Haveria algum policial por perto. “Com licença, a senhora sabe se o ônibus 44 pára aqui?”, perguntou. Ela levou um susto, mas o olhou com um sorriso falsamente sereno e respondeu. “Sim, o 44 pára aqui”. “Obrigado, senhora”, respondeu, com insuspeita educação. “Não me chame de senhora”, falou ela, “não sou assim tão mais velha que você”, completou. “Desculpe, falei por educação”, retrucou o rapaz. “Meu Deus, que idiota eu sou”, pensou ela, “acabei dando chance para que ele continue a conversa”. “De perto ela é mais interessante que naquela distância”, pensou ele. Ela, então, olhou para ele, fingindo avistar um carro que passara em alta velocidade. Ela bonito, sim. Alto, magro, com olhos negros melancólicos e uma barba mal feita típica da idade e de quem não segue rigorosamente os ditames da vida social e profissional. Que faria ele? Com quem moraria? Teria namorada? “Ai, meu Senhor, por que estou pensando tudo isso, que me importa o que ele faz ou quem ele é?”, pensou, apertando uma mão na outra. Para não fazê-lo, ajeitou a saia, como se ela estivesse fora de lugar, apertando-a ainda mais em seu corpo. “Meu Deus, essa mulher é muito gostosa”, pensou o rapaz. Mais adiante, na mesma parada, havia uma adolescente loira oxigenada, possivelmente escapando do colégio, mas ele percebeu que só tinha olhos para a mulher a poucos centímetros do seu corpo. Também percebeu que estava se excitando. “E se eu a abordar?”, pensou. “E se eu perguntar o nome dela e o que faz no centro?”, raciocinou, algo inseguro.

Chegou um ônibus, o 40 e ele percebeu alterações no movimento do seu corpo. Contudo, quando o veículo parou, ela continuou imóvel. Se quisesse agir, ainda teria chance. Talvez ela pegasse o mesmo 44 que ele. Possivelmente, não. Urgia, então, fazer alguma coisa, afinal, estava realmente excitado, e não só fisicamente. Ela, por sua vez, evitava olhar para trás, onde ele estava, mas parecia sentir o hálito quente em sua nuca e também percebeu que estava excitada. Como há muito não sentia, com seu marido ou com qualquer outro homem. A situação a excitava, a possibilidade dele a abordar diretamente a qualquer instante ou de fazer algum movimento brusco ou em falso. Não pensava mais na idéia de pecado ou que estava agindo errado. A excitação, o ouvir seu coração pulsando, o sentir os seios inflando sob a blusa negra, como se quisessem arrebentar os botões, confinaram a culpa em um escuro departamento de sua alma. Naquele momento, em que a respiração do rapaz lhe parecia quase palpável, sentiu que se ele pedisse o número do seu celular, ela o daria. Se ela a convidasse para um encontro no dia seguinte, ela concordaria. Instintivamente, deu um leve passo para trás. Ele o percebeu e deu um passo consciente para frente. Agora a respiração dele não era mais imaginária e sim real. Sentiu o cheiro de suor dele e fechou os olhos, como se para senti-lo ainda mais forte. Ele, por sua vez, sabia que devia falar novamente com ela (não falara na primeira vez com a desculpa esfarrapada do 44?) mas não ganhou coragem. Pensou em convidá-la para beber uma cerveja, um lugar discreto é claro, percebera a aliança em seu dedo. Haviam hotéis discretos no centro, onde casais entravam e saíam sem despertar suspeitas. Estava tão excitado que puxou a camisa para baixo a título de disfarce. Ela olhou para ele, como se implorando. Ele a olhou fixamente e esboçou algo para dizer. As palavras não saíam. Ela olhou de novo para a esquerda a fim de respirar, e viu o ônibus 38 chegando. Sabia que não devia fazê-lo, mas, instintivamente estirou a mão. O motorista parou e ela, sem olhar para ele, entrou no ônibus, que partiu rapidamente. Ele ainda olhou ao longe para tentar ver seu rosto em alguma janela. Inútil. Ele então percebeu o 44 que se aproximava. Suspirou a título de auto-desabafo enquanto estendia o braço para que o motorista visse seu pedido de parada. Enquanto isso, ela derramava uma lágrima discreta e perdida entre as curvas no ônibus 38 e sabia que precisaria de muitos banhos de água fria naquela noite longa e provavelmente triste.

Um comentário:

Anna disse...

Simplesmente excitante!!!