06 setembro 2007

O amor que não rima com dor



Cefas Carvalho


Cuidei que não sofresse, não chorasse mais, que ficasse imóvel em porcelana, em granito, como santa no altar, com seu meio sorriso de Maria, de Mona Lisa, de quem vai passar a eternidade sorrindo, posto que não – não, repito! – a farei mais chorar, ainda que todos os demônios do Hades me tentem, me espezinhem, me coloquem rivais, perfídias, intrigas, armadilhas, percalços, enfim, no caminho não afastado do nosso amor, caminho este que é construído a cada passo, com mapas sagrados de carinho e paixão, e, portanto, quando o Mal bater à porta de minha língua e de meu coração, eu possa, como Jasão, como Ulisses, resistir estoicamente e perseverar no meu/nosso amor, de forma que nem as artimanhas deste mundo nem as dos mundos infernais possam estilhaçar o vaso – frágil ainda, como tudo que é belo e recém-construído – do amor que firmamos, e, se luto para não te fazer mais chorar, também eu não mais chorarei, posto que apenas sua dor me arranca lágrimas, e que as deixemos exclusivamente para os momentos de alegria e gozo, quando, nos portões da noite, fazemos de nosso corpo um só, e mesclamos nossas peles até gerar uma nova cor, pigmentação rara produzida pelos (des)caminhos do desejo, e se pedes que eu repita, repetirei, sim, em todas as línguas, as dos homens e as dos anjos, que não, não mais a farei chorar, ainda que para isso tenha que lançar fora minha língua com um alicate ou cortar meus pulsos e me esvair em sangue no chão do banheiro, tudo para que, de maneira nenhuma conhecida pelo ser humano, eu faça seus olhos de bolas de gude, de espanto, de beleza, derramarem uma só lágrima, afinal, que o amor rime com dor somente nas poesias que lemos e relemos nas noites regadas a vinho e nas músicas que ouvimos como quem ouve a voz de querubins, e que em nossas vidas o amor procure outras rimas, ou, que as esqueça e que se preocupe apenas em explodir em nossas vidas como fogos de artifício na noite escurecida, e que a dor e seus cavaleiros do apocalipse – solidão, ódio, rancor e mágoa – passeie com sua foice maldita em outras plagas e deixe nosso amor intocado, inviolável, conservado em fluidos de carinho e paixão, e que se afaste trotando para um outro mundo que não nosso, que não queremos (mais conhecer) e, que, violentando poesia, ortografia, gramática e lógica, nosso amor rime com o que quiser – desejo, intimidade, seu nome, meu nome, o nome que escolhemos para nossa filha que nasceu em nossos sonhos e em nossos lábios, e que desta rima nasça, então, uma poesia nova, algo novo que celebre tanto, tanto sentimento...