07 abril 2011

O matador

Cefas Carvalho

Ele era magro, mirrado mesmo, baixo, uma coisinha assim de gente. Pálido e com o rosto cheio de cravos e caroços, feio até não poder mais. Tranquilo, bebia seu conhaque de alcatrão com o rosto sereno e compenetrado. Mas, era um matador. Dos melhores. Era conhecido em toda a região, não havia cidade ou vilarejo que não temesse Jão Bicheira, cujo nome ninguém sabia, nem a origem do apelido. O que se sabia era que ele já havia mandado uns dez sertanejos desta para melhor e era conhecido nos beréus e bares mal afamados como “fabricante de viúvas”.
Cá por mim, eu bebia quieto minha cana quando percebi o homem se aproximando. Claro que tremi nas bases. Não era bem medo, afinal, tenho lá minha coragem e sou de família de homens altos e parrudos. Mas Jão Bicheira tinha uma arma - talvez mais de uma - e eu não. Pois que o cidadão sentou-se no tamborete ao meu lado e perguntou meu nome. Raimundo Nonato, ao seu dispor, respondi.
O homem pegou um palito, limpou os dentes com zelo, tomou um gole do conheque de alcatrão, cuspiu no chão uma saliva preta e voltou-se para mim. Quero te pedir um favor! Minhas mãos tremeram. O cabra havia matado uns dez homens. Certo que uns não valiam nada, ficaram bem melhores mortos mesmos. Mas, metade deles, eram pais de família. Mas, engrossei a voz e respondi: Se eu puder ajudar...
Jão Bicheira tirou um papel dobrado do bolso. Sabe ler?, perguntou. Respondi que sim. Ele me passou o papel. Leia isso para mim. Abri o pedaço de folha. Era uma letra infantil, difícil de ler. Mas, de qualquer maneira, li em voz alta o que estava escrito: Papai, quando for trabalhar pense em mim. Assinado, sua filha Rosinha.
Ele respirou pesadamente, Bebeu mais um gole do alcatrão e cuspiu no chão. Devolvi o papel.
Você sabe qual é meus trabalho, não é? Engoli em seco. Mas, tinha que responder. Sei sim senhor. Ele pigarreou e suspeirou: É um trabalho enjoado, mas, alguém tem que fazer. Se não fosse eu seria outra pessoa, não é mesmo?
Olhou-me tristemente, pagou a conta, pegou um chapéu meio roto que estava no balcão e passou por mim.
Obrigado, amigo. Tem alguma coisa que queira pedir?
Respondi que não, mas, sei lá que diabo me tomou que disse ao homem que tinha apenas uma curiosidade. Pois pergunte, cabra, que perguntar nunca matou ninguém.
Respirei fundo, como quem vai para uma briga de peixeira, e disparei: O senhor sente alguma raiva das pessoas que mata?
Jão me olhou como se eu fosse louco por fazer aquela pergunta para ele, e a verdade é que era loucura mesmo. Encarou-me, pensei que ia me bater ou me gritar, mas abriu um sorriso triste.
Vou lhe responder. Você fez um favor para mim e merece que eu lhe responda. Rapaz, quando me contratam, não sinto nada não. Mas quando me dão a foto do cabra em questão eu vou olhando a foto e vai me dando um ódio...
Respirou, cuspiu mais uma vez, ajeitou o chapéu na cabeça e com um movimento de mão, despediu-se de mim. Aliviado, fui para o balcão e pedi um copo de cana. Derramei um gole para o santo e bebi o resto de uma lapada só!

5 comentários:

Anônimo disse...

Este conto me recordou uma frase do filme "V de Vingança": "O perdão é com Deus, eu só marco o encontro".

Eu acho que, depois de uma confissão como essa do "matador", eu também tomaria uma dose...Rs...

Danclads Lins de Andrade disse...

Só tomando uma dose, depois de uma confissão dessas... Rs...

Cefas Carvalho disse...

Olá, "anônimo", valeu a frase do filme. Diz a lenda que alguns policiais tem a mesma filosofia. E valeu, Danclads, a visita. Abraços.

Paulo Jorge Dumaresq disse...

Ótimo conto, Cefas.
Temos muitos Jão Bicheira espalhados pelo RN.
Abraço grande.

Francione Clementino disse...

Valeu o conto cara! Surpreendente no final a expectativa da pergunta e da resposta!!!