24 janeiro 2013

A biografia da pele

Cefas Carvalho

Se a pele, mundo palpável onde governo e de onde arranco meus parzeres, pode ser suplantada pela abstração poética que chamamos espírito, abdico de bom grado desta existência física e aceito seu fim, possivelmente rumo ao nada, como inevitável destino e última instância onde refugiar meu inconformismo. De que me valeria viver em um universo onde algo invisível (imaginário?) tem o poder (por quem outorgado?) de comandar aquilo que tenho de mais sagrado, meus desejos mais primevos, aqueles que encontram sua essência na carne mais sangrenta. Sendo asssim, além de conviver com a satisfação de aceitar o fim de estrada da minha vida carnal, ainda sou gracejado com a suprema ironia de que - em nada acreditando, posto que somos pó e ao pó voltaremos literalmente - acabo me tornando menos suscetível à morte dos que aqueles muitos que acreditam - de maneira tortuosa, sei - que a morte é apenas a passagem para outra vida, quiça melhor (se assim é, por que tanto temos de perder a vida terrena?...). Devaneios à parte, o que importa é que renovo meus votos de hedonista e, mais uma vez, refuto qualquer freio sobrenatural para os desejos e chamados da carne, a mesma carne responsável pela perpetuação da vida humana neste planeta e que dita nossos passos desde a mais tenra infância até o momento derradeiro de nos encontrarmos com a imensidão do nada. Sendo assim, nada mais justo e adequado que relatar a história da minha vida através da biografia do meu corpo, de seus desejos, fluídos e movimentos, de forma a construir o esboço malfeito, mas autêntico, daquilo que posso timidamente chamar de minha vida!

Imagem: Egon Schiele ("O abraço")




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